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quinta-feira, 17 de maio de 2012

O casamento é para todos

Por João Pereira Coutinho

Tenho pensado ultimamente nas vantagens da poligamia. O amor exige fidelidade e exclusividade?

Admito que sim. E também admito que existe uma certa nobreza na velha ideia platônica de que somos seres incompletos, em busca da outra metade que nos falta. Os românticos não inventaram nada. Limitaram-se a ler "O Banquete".

Mas, por outro lado, não é justo, nem fácil, nem humanamente possível exigir de uma mulher que ela seja tudo e o seu contrário. Boa amante. Ótima confidente. Excelente dona de casa. Mãe aprumada. Parceira intelectual distinta. Enfermeira nas horas funestas.

A mulher perfeita não existe. Ou, melhor dizendo, ela existe, sim. Só que é composta por várias mulheres distintas.

Anos atrás, em viagem pelo Marrocos, visitei um amigo que me levou a conhecer as suas duas famílias: uma em Casablanca, a outra em Agadir.

A primeira mulher era a encarnação perfeita da sensualidade magrebina – olhos negros, cabelo idem, lábios generosos e carnudos. Cinco minutos bastaram para perceber a função daquela senhora na vida daquele homem feliz.

A segunda mulher era menos exuberante (digamos assim); mas fazia um cuscuz como só voltei a provar em viagem recente ao Nordeste do Brasil. Tão diferentes, mas tão complementares.

Fiquei convencido sobre as vantagens do arranjo. E antes que a leitora me acuse de machismo obscurantista, esclareço já: quem fala em poligamia fala em poliandria.

Nenhum homem pode ser tudo para uma só mulher. Por isso esperava um pouco mais das declarações de Barack Obama sobre o casamento gay – mais do que apenas "hélas" sobre o casamento gay.

O presidente americano, em gesto inédito para ano eleitoral, disse na televisão que "evoluiu" sobre o assunto. É agora favorável à união matrimonial de lésbicas e homossexuais, embora deixe para os Estados a decisão final sobre o assunto.

O raciocínio de Obama é conhecido: quem somos nós, a maioria heterossexual e opressora, para negar a felicidade a duas pessoas do mesmo sexo que querem se casar?

Eis, em resumo, a essência do pensamento progressista. Um pensamento que os filósofos Sherif Girgis, Robert P. George e Ryan T. Anderson analisaram no melhor ensaio que conheço sobre o tema: "What is Marriage?".

O casamento, para o pensamento progressista, é uma mera construção social, sem uma história ou um propósito distintos. O casamento deve apenas basear-se no afeto; e basta que exista afeto entre dois seres humanos adultos para que o Estado reconheça o vínculo matrimonial, distribuindo direitos e deveres pelos cônjuges.

O problema, escrevem os autores do ensaio, é que essa definição sentimental de casamento não pode se limitar a lésbicas e homossexuais.

Se o casamento pode ser tudo o que quisermos, não há nenhum motivo para recusar o privilégio a um homem que queira se unir a várias mulheres. Ou a uma mulher que queira se unir a vários homens.

O próprio Obama deveria saber disso: só nos Estados Unidos, é possível que existam mais de 500 mil relações poligâmicas, informava há tempos a revista "Newsweek", citada no ensaio. O número de homossexuais que desejam casar-se é superior a esse número?

Talvez. Mas falamos de um princípio, não de uma questão numérica: se 500 mil relações poligâmicas vivem à margem da lei, não devemos também respeitar a felicidade – no fundo, o "afeto" dessa vasta legião de apaixonados?

Por mim, ficaria encantado. Até porque as relações poligâmicas não vivem apenas à margem da lei. Elas são punidas pela lei. Eu invejo o meu amigo marroquino. Mas, se pretendesse imitar o seu modo de vida, casando-me com duas donzelas da minha preferência, a Justiça não perdoaria o crime.

Moral da história? O mundo não acaba com os direitos dos homossexuais. E não é possível defender o casamento gay sem defender também todas as outras formas de união conjugal. Abrir uma exceção é abrir todas as exceções. Negar isso é perpetuar a intolerância.

Espero que o presidente Obama continue a "evoluir" sobre o assunto e nos brinde em breve com a defesa apaixonada que a poligamia merece.

7 comentários:

Lyana disse...

Maricota, muito bom o texto. Mas discordo 100%!
heheheheheh!
Lyana

Mariana disse...

Mari, não concordo. Achoque ele mistura duas discussões diferentes. Uma delas fala de uma pessoa poder viver com a outra ( uma) que ama, seja ela homossexual ou não. A outra, fala da pessoa poder ficar com mais de uma pessoa que ama, seja também homossexual ou não. Na minha cabeça pequena, não sei nem como uma coisa se mistura com a outra ( a não ser que,para ser poligâmico, o gay teria, primeiro, que ter reconhecida sua união...)

Felipe disse...

O cara viajou. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. No caso do homo ou do heterossexualismo, está se discutindo apenas a relação com uma pesso.

Sofismático o texto. Achei palha.

Abs

Marcela disse...

Adorei o texto!... Inteligente e bem construído!... Não que eu seja necessariamente à favor do "direito à poligamia", mas o autor certamente chama à atenção à problemática de "outra forma de amar marginalizada pela lei" que precisa, em algum momento, ser discutida. É hipocrisia fingir que "não existe, não oprime, não desampara".

Sheyla disse...

É um texto bom, apesar de eu achar que misturar casamento de pessoas do mesmo sexo com poligamia é forçar um pouco a barra...Uma coisa é fidelidade e outra coisa é homossexualidade. E o que eu acho ainda mais engraçado é que os exemplos de poligamia são sempre do homem com várias mulheres. Duvido que exista algum homem na face da terra que tolere uma mulher poligâmica!! DU-VI-DO!! Eles podem até perdoar uma traição, mas manter um casamento (?), ou melhor, uma relação em que a mulher tenha assumidamente mais de um homem, acho simplesmente impossível!! Agora, o contrário, infelizmente, é bem mais viável em muitas culturas...Mas, é claro, que cada um tem o direito e o dever de viver como quiser!!

Roberto disse...

Se você ama "de com força" uma pessoa, ela te completa sim. Mesmo que haja uma tentaçãozinha aqui e ali, se a entrega é de alma você não precisa de outras. E se não é esse o caso, se não é esse o amor que sente... pra que casar?
Quer sacanagem? Fica solteiro. É simples assim.

Igor Ribeiro disse...

"E não é possível defender o casamento gay sem defender também todas as outras formas de união conjugal. Abrir uma exceção é abrir todas as exceções."

Aqui reside o erro na defesa dele. O autor dá entender que vê o casamento gay como um privilégio sendo oferecido a um determinado grupo minoritário, quando, na verdade, não é concessão nenhuma. O governo não estaria "sendo bonzinho" com ninguém ao validar esse tipo de matrimônio. É um direito que deve ser concedido amparado nos valores que fundamentam a nossa constituição, como a dignidade humana e o tratamento desigual aos desiguais ~na medida de suas desigualdades~.

Caso o casamento gay fosse, de fato, apenas uma prerrogativa para um grupo que simplesmente "achou que devia" ter esse direito porque possui o afeto que o autor tanto menciona... Fiiiu, aí, sim, estaria instaurada a anarquia matrimonial, e.g. os loucos por ovelhas poderiam casar-se com elas, os que não vivem sem seus cachorros poderiam unir-se aos seus pets, e assim por diante. :-P

Logo, é tolice (senão uma ofensa) dizer que o casamento gay é "uma exceção".

No mais, os homossexuais formam um grupo historicamente perseguido, que através dos séculos tem sido trucidado apenas devido a sua orientação sexual. Os poligâmicos não. Não me lembro de nenhum poligâmico sendo espancado na Avenida Paulista, por exemplo.

Ao passo que aqueles sofrem para, no mínimo, serem aceitos, esses não vão morrer porque não podem se casar com a segunda ou a terceira mulher que (eu espero) amam – porque se não amar toda esta discussão é fútil. Nesse sentido, o casamento gay viria, também, no sentido de corrigir a falha na legitimação dessa minoria como pertencente à identidade e à cultura de um povo.

E falando na nossa cultura, como a Sheyla bem apontou aí em cima, não tenho tanta certeza de que um cara aceitaria dividir a mulher com outro oficialmente, não. Entre a nossa gente, nunca observei nenhuma ocorrência desse tipo de comportamento, então eu não vejo qual seria o objetivo de reconhecer legalmente um tipo de união que inexiste.

Enfim, meu ponto é: são grupos totalmente distintos e que não podem ser comparados. Os argumentos do João Pereira Coutinho estão deslocados legal e sincronicamente.

Dito isso, EU não vejo problema na poligamia/poliandria (caso exista por essas bandas). Desde que os envolvidos se amem e deem seu consentimento, por que não?, são ambas válidas e merecedoras de reconhecimento.

Mas não é com esses argumentos que ele vai vencer esta discussão.

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