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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Guerra dos sexos

Em meados dos anos 90, a trintona com uma vida amorosa atribulada virou tema recorrente de livros mundo afora. Em suas diversas encarnações, ela podia ser gordinha, encalhada e caótica, como a inglesa Bridget Jones, ou uma fashionista que colecionava homens e sapatos, a exemplo das personagens criadas pela americana Candace Bushnell em "Sex and the city". Em qualquer caso, porém, as protagonistas dessas histórias estavam sempre à caça do Homem Perfeito, peça es-sen-cial à felicidade feminina.

Agora, a literatura mulherzinha passa por um novo e animado período: o das moças que detonam o sexo masculino sem dó ou piedade. Não são as únicas a explanar as atuais dificuldades do mercado afetivo. Do outro lado, os homens expõem em páginas de livros os dilemas do macho, espécie que se diz perdida e à beira da extinção. - Quem sabe essa pancadaria não leve à paz? Deixar nossa insatisfação às claras é um bom sinal - acredita a carioca Cris Amorim, 35 anos e quatro relações sérias desfeitas, que acaba de lançar "Manual amoroso da neurótica" (Multifoco).

A nova safra de livros femininos pode ser resumida numa única e antiga máxima: antes só do que mal acompanhada. Entende-se como companhia dispensável o tradicional canalha, que lança mão de um conhecido repertório de desculpas esfarrapadas, mas também outras figuras mais curiosas da fauna masculina.

Fenômeno do segmento pop, "Cuidado! Seu príncipe pode ser uma Cinderela" (BestSeller) destrincha o tipo "bom demais para ser hétero" - gay que se relaciona com moças só para continuar no armário. Pela procura, ou há uma paranoia generalizada ou os enrustidos existem às pencas: em dois meses, o título vendeu 15 mil cópias e já entra em sua terceira edição. O número é considerado excelente pela direção do grupo Record, dono do selo BestSeller, que aposta na marca de 40 mil exemplares vendidos até o fim do ano.

Antes de abordar a homossexualidade enrustida, a editora já havia lançado títulos internacionais que analisam as qualidades - e, principalmente, os defeitos - dos homens. São livros como "Ou casa ou vaza", da americana Alison James, que frisa: as moças precisam parar de sonhar com amor à primeira vista e sinos tilintando na troca de um beijo. A linguagem confessional dá o tom e o molho a essa literatura, digamos, combativa. As jornalistas Ticiana Azevedo e Consuelo Dieguez incluíram em seu livro as experiências de uma certa Sofia, recémseparada de uma Cinderela disfarçada.

Já as autoras de "Homem é tudo palhaço!" (Desiderata) faturam em cima das próprias desventuras, vividas em noitadas, paqueras de trabalho e papos via internet. Lançado em junho, com a primeira edição de três mil exemplares praticamente esgotada, o livro esmiúça clássicos da azaração, como o Palhaço Chef (sua arte é te cozinhar); o Palhaço Micareta (toda festa para ele é um carnaval); e o Palhaço Político (só faz promessas). - Falamos de grosserias, cantadas toscas, sumiços sem explicação. São comportamentos estranhos, que se repetiam no nosso grupo de amigas. Hoje, muitos homens dizem ler nossas histórias para aprender o que não devem fazer - diz Roberta Carvalho, que começou a escrever sobre as situações (ou palhaçadas) que cruzavam seu caminho num blog, em 2002, ao lado das amigas Ana Paula Mattos e Nara Franco.

As três autoras estão solteiras, mas Roberta não vê relação entre seu estado civil e os textos irônicos sobre certas atitudes masculinas. Reconhece, porém, que os comentários maldosos batem nas mesmas teclas. - Somos sempre barangas mal-amadas, lésbicas raivosas ou simplesmente piranhas - conta.

O escritor Xico Sá, pioneiro em abordar os desencontros do "macho perdido" com "a fêmea que se acha", diz que é justamente esse o tipo de comentário que surge quando críticas do gênero vêm à tona numa mesa de bar. Em ambientes mais sóbrios, porém, ele classifica o ataque como uma "porrada pedagógica". - Precisávamos desse baque para nos tornarmos homens melhores - avalia Xico, que acaba de publicar a coletânea de crônicas "Chabadabadá" (Record), cujo título foi inspirado no tema do filme "Um homem, uma mulher", aquele mesmo, que virou "sábado ela dá, sábado ela dá..." na voz do povão. Assim como o título de seu livro, os textos de Xico, 47 anos e cinco casamentos desfeitos, são pontuados pelo humor escrachado. As histórias acabam se transformando em deliciosos relatos tragicômicos das questões vividas por homens e mulheres.

Outro que faz parte de seu time é o gaúcho Fabrício Carpinejar, vencedor do Prêmio Jabuti de literatura no ano passado, graças a "Canalha!", compilação de crônicas, muitas sobre a relação macho/fêmea. Seu novo livro acaba de sair do forno e chama-se "Mulher perdigueira" (Bertrand Brasil). Logo no primeiro texto, ele faz uma ode à mulher que seus amigos tanto reclamam: aquela que faz barraco e é possessiva. - Sou casamenteiro assumido e muito passional. Na minha casa, tudo vira crônica - lembra Carpinejar, um sujeito que diz adorar estender roupas e escolher um bom detergente para lavar a louça, mas sabe que seus hábitos podem ser mal interpretados pelas mocinhas irônicas de plantão. - Minha namorada vê isso tudo como neurose mesmo.

Apesar do tempero igualmente bemhumorado, alguns livros que exploram a guerra dos sexos ainda bebem na fonte dos manuais de autoajuda, que ensinam a fisgar a alma gêmea. Incluem frases de efeito, dicionários, passos e rótulos que denunciam comportamentos típicos do sexo oposto. A diferença é que, agora, os guias dão pistas de como identificar o inverso: sapos travestidos de príncipes. Entre livreiros e escritores experientes, porém, essas publicações não são vistas como obras literárias em seu sentido pleno. - Eles são encarados como livros de comportamento e humor. Mais que fonte de conselhos, fazem uma sátira das relações - diz Luciana Villas-Boas, diretora editorial do grupo Record.

Os próprios autores reconhecem o preconceito do meio. Ao enumerar 150 tiradas típicas dos homens que não querem nada sério, Cris Amorim, autora do "Manual amoroso da neurótica", preferiu usar um pseudônimo. Formada em Propaganda e cursando doutorado em Literatura Brasileira na UFRJ, ela escolheu o nome Luanna Luna para assinar o guia. - Por vir de outra área, não tenho uma postura tão rígida com o que é comercial. Mas achei que um livro como o meu, que traz análises cruéis sobre os homens, poderia me prejudicar em termos acadêmicos e afetivos - diz a autora, que conheceu um novo pretendente há dois meses, pasmem, na sessão de autógrafos do novo livro de Carpinejar.

É mesmo difícil acreditar que as mulheres mudaram da noite para o dia e desistiram de procurar relações estáveis. As estatísticas, aliás, mostram o contrário. De acordo com dados do IBGE, o número de casamentos cresceu 35% entre 1998 e 2008. Para a antropóloga Mirian Goldenberg, da UFRJ, esse boom literário reflete apenas o alto padrão de exigência delas hoje. Em suas pesquisas, as moças ainda sonham, sim, com um companheiro e filhos para criar: - Elas só levam mais tempo para realizar tudo isso. Em compensação, os homens estão usufruindo de companhias mais interessantes, não estão na pior. As mudanças estão apenas nos clichês.

*Fonte: jornal O Globo, matéria escrita por Silvia Rogar

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